Comunidades periféricas assumem protagonismo na reciclagem e impulsionam economia circular no Brasil

Com modelos que integram inclusão social e rastreabilidade, projetos como o da Green Mining em Paraisópolis mostram como as periferias estão na linha de frente da transformação ambiental urbana

Estação Preço de Fábrica de Paraisópolis. Foto divulgação Green Mining.

São Paulo, julho de 2025 – Enquanto o Brasil recicla apenas 4% dos resíduos sólidos urbanos que gera anualmente, segundo dados da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), iniciativas em comunidades periféricas vêm revelando um movimento silencioso, mas potente, de reconstrução da cadeia da reciclagem. Favelas, bairros marginalizados e regiões com menor infraestrutura têm se consolidando como territórios de inovação social e ambiental, onde práticas de reciclagem e inclusão produtiva emergem de forma integrada e conectada às demandas reais da população.

Esses territórios, frequentemente negligenciados nas políticas públicas e no planejamento urbano, concentram tanto um alto volume de resíduos quanto uma população historicamente envolvida, ainda que de forma precária, com atividades de coleta e triagem. Ao reconhecer esse potencial e estruturar sistemas que garantam rastreabilidade, remuneração justa e educação ambiental, essas comunidades deixam de ser tratadas como “problema” e passam a ser agentes estratégicos de transformação.

Paraisópolis, na zona sul da capital paulista, é um exemplo emblemático. Com cerca de 100 mil habitantes, a comunidade não apenas lida com os efeitos da desigualdade no acesso à coleta formal, mas protagoniza soluções inovadoras. A instalação de uma unidade da Estação Preço de Fábrica, da startup Green Mining, representa um passo concreto para inserir Paraisópolis na agenda da economia verde, com impacto direto na geração de renda local e na redução do descarte irregular de resíduos.

Para Rodrigo Oliveira, CEO da Green Mining e vice-presidente da Abelore (Associação Brasileira de Logística Reversa), as comunidades são parte essencial da engrenagem ambiental. “É preciso parar de enxergar a periferia apenas como um território de vulnerabilidade. Quando se estrutura uma cadeia com rastreabilidade e incentivo à separação correta, essas regiões tornam-se modelos viáveis de economia circular. É ali que a transformação está mais próxima do cotidiano das pessoas”, afirma.

A Estação, localizada dentro do G10 Favelas, funciona como um ponto de compra direta de recicláveis, onde moradores e catadores recebem, via Pix, o valor praticado pelas indústrias recicladoras, com pesagem digital e rastreabilidade dos materiais. Na prática, a atuação em áreas periféricas enfrenta desafios adicionais: baixa formalização dos catadores, dificuldade de acesso a tecnologias, desinformação e falta de políticas integradas. Ainda assim, é nesses locais que surgem soluções orgânicas, muitas vezes articuladas com lideranças comunitárias, associações de base e redes solidárias de coleta. O impacto é visível: menos lixo nas ruas, maior valorização dos recicláveis e geração de renda em territórios onde, muitas vezes, a informalidade é a única alternativa de sustento para milhares de trabalhadores.

Desde sua inauguração, a unidade de Paraisópolis gerou mais de R$ 53 mil em pagamentos, com valor médio de R$ 1.965,20 por pessoa. Ao todo, foram mais de 50 toneladas de recicláveis comprados, com destaque para vidro caco verde (15,7 toneladas), vidro caco transparente (10,6 toneladas), papelão (quase 10 toneladas) e PET cristal (4,5 toneladas), resíduos que, muitas vezes, teriam como destino o descarte irregular, principalmente o vidro.

Rodrigo Oliveira destaca que, além da compensação financeira, há um componente educativo importante nos projetos implementados em comunidades. “A lógica do descarte muda quando o resíduo passa a ter valor reconhecido. Isso ativa um comportamento mais consciente, não só individual, mas coletivo, com efeitos duradouros sobre a relação das pessoas com o espaço urbano”, explica. Segundo ele, a Green Mining busca atuar justamente nesse ponto de convergência entre inovação tecnológica e transformação social.

Segundo a Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (ANCAT), o Brasil tem cerca de 800 mil catadores e catadoras em atividade, a maioria em situação de informalidade, com rendimentos instáveis e pouca proteção social. Apesar de estarem na linha de frente da reciclagem nacional, são raramente incluídos nas estatísticas oficiais ou beneficiados por mecanismos de incentivo. Iniciativas que remuneram diretamente esses profissionais, sem intermediários, como o projeto Estação Preço de Fábrica, contribuem para um reequilíbrio da cadeia e para a valorização do trabalho invisibilizado.

“A crise climática e os compromissos globais com a redução de emissões exigem que o Brasil repense urgentemente seus modelos de gestão de resíduos. E isso passa, necessariamente, por colocar as comunidades periféricas no centro da agenda ambiental. Se queremos construir uma economia circular de verdade, ela precisa começar da borda. E a borda é a periferia”, finaliza o CEO da Green Mining.

Colaboradores da Green Mining no G10 Favelas. Foto divulgação Green Mining.

Sobre a Green Mining

A Green Mining é uma startup pioneira em logística reversa inteligente e uma das selecionadas, em todo o mundo, pela cervejaria Ambev por meio do programa 100+ Accelerator. Desde 2018, já coletou e encaminhou para reciclagem mais de 11 milhões de quilos de embalagens pós-consumo e evitou a emissão de 15 milhões de quilos de CO₂. Integrante do grupo de empresas do Pacto Global da ONU, maior iniciativa de sustentabilidade corporativa do mundo, participou da COP26, COP29 e do World Economic Forum 2023, em Davos, apresentando seus projetos e soluções de rastreabilidade com tecnologia blockchain. Também é membro fundador da Abelore – Associação Brasileira de Logística Reversa.

Premiações: Vencedora do ‘Better World Award’, realizado na Bélgica; da competição mundial de Ideias de Negócios Verdes da Climate Ventures e da 1ª edição brasileira do evento europeu Greentech Challenge. Por três anos consecutivos, a startup foi premiada no Ranking 100 Open Startups, entrando para o TOP 10 na categoria CleanTechs em 2021 e CityTechs em 2022, 2023 e 2024. Além de ser Top Innovator do Fórum Econômico Mundial, foi a vencedora dos prêmios ‘José Eduardo Ermírio de Moraes – Empreendedorismo que Transforma’ e ‘França-Brasil: Inovando para um Futuro Melhor’ em 2024.