“Mais-Valia, Mais-Valerá”: lei abre brecha para “legalizar o ilegalizável” e acende alerta para possível colapso urbanístico no Rio

A sanção do Projeto de Lei Complementar conhecido como “Mais-Valia, Mais-Valerá” pela Prefeitura do Rio de Janeiro reacendeu um debate urgente entre urbanistas, arquitetos e especialistas em planejamento urbano. A nova legislação, que permite a regularização de construções irregulares mediante pagamento ao município, é vista por parte do setor como uma medida que pode colocar em risco o equilíbrio urbanístico da cidade.

Para o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro (CAU/RJ), Sydnei Menezes, a lei cria um precedente perigoso. Ele alerta que o dispositivo abre uma “janela para legalizar o ilegalizável”, flexibilizando parâmetros básicos de uso e ocupação do solo — pilares fundamentais para garantir cidade mais equilibrada, segura e planejada.

“Essa lei é uma janela criada na legislação para legalização de situações fora dos parâmetros urbanísticos tradicionais. O lado positivo é que você pode legalizar e permitir a integração de algumas edificações, minimizando seu impacto urbanístico. E a questão negativa é que isso se torne um hábito, porque isso deve se tratar de uma situação excepcional e não o contrário”, afirma Menezes.

A legislação permite que proprietários regularizem obras já executadas ou solicitem licenças para ampliações mesmo quando suas construções não atendem às regras urbanísticas vigentes. Entre as possibilidades estão varandas incorporadas, pavimentos extras, mudanças de uso, além de outros acréscimos estruturais. Para isso, o contribuinte deve pagar uma taxa calculada pela Prefeitura, o que, segundo defensores do projeto, traria maior transparência ao setor imobiliário e ampliaria a arrecadação do município.

Entretanto, especialistas alertam para um efeito colateral grave: o estímulo ao surgimento de novos acréscimos irregulares, impulsionando a expansão urbana sem planejamento. A prática pode sobrecarregar bairros já saturados, agravar problemas de mobilidade, pressionar serviços públicos e comprometer a qualidade de vida da população.

Outro ponto de atenção é o prazo estabelecido na lei: até 1º de janeiro de 2029, a Prefeitura poderá analisar pedidos de licenciamento em condições especiais. Para muitos urbanistas, esse período estendido reforça o receio de que a excepcionalidade se transforme em regra — e que o instrumento, originalmente temporário, passe a justificar intervenções progressivas e descontroladas na malha urbana.

Enquanto a Prefeitura aposta na regularização como forma de arrecadar recursos e reduzir a informalidade, profissionais do setor defendem que qualquer flexibilização precisa ser acompanhada de planejamento rigoroso e políticas que garantam segurança estrutural, sustentabilidade e coerência urbanística.

A discussão está aberta — e coloca em jogo o futuro da ocupação urbana no Rio de Janeiro